O custo irrecuperável (sunk cost) nas decisões de investimento

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Farmville: Será que ele é tão inocente assim?

Os últimos artigos que escrevi trataram de assuntos relacionados ao comportamento humano do dia-a-dia, mas que podem ser transportados para decisões de investimento.

Hoje vou novamente abordar um erro tão comum, que duvido que seja novidade para a grande maioria: o custo irrecuperável (sunk cost). É por causa deste comportamento que temos tanta dificuldade em jogar coisas fora, e acumulamos tanto lixo em casa.

Quantas vezes você já comprou o ingresso para um evento antecipadamente, se arrependeu depois e, mesmo assim, foi ao evento e ficou até o final?

Alguma vez você pagou para assistir um filme que, após 15 minutos, demonstrou-se ser horrível e uma grande perda de tempo, mas mesmo assim assistiu até o fim? “Vai que melhora” e “já paguei mesmo” são algumas expressões utilizadas para justificar essas atitudes.

Farmville ou Clash of Clans

Um exemplo atual para explicar nosso artigo é o famoso jogo Farmville para Facebook.

Acredito que todos já devem ter pelo menos ouvido falar dele, ou se irritaram com colegas de trabalho que perderam horas (ou até o próprio emprego) regando suas plantas. Este jogo atingiu marcas impressionantes de mais de 50 milhões de pessoas (equivalente à população do estado de São Paulo inteiro) jogando ao mesmo tempo, então com certeza deve ser o jogo mais divertido e inofensivo de todos os tempos! Mas não é, pelo contrário, é um jogo que mexe com seu emocional sem você saber e acaba causando dependência.

O Farmville é um jogo que inicialmente é gratuito. Você começa com pouco dinheiro e um terreno vazio. Não exigindo nem prática nem habilidade, é um jogo simples no qual apenas seu tempo é gasto para evoluir no jogo, e quanto mais tempo você dispõe, mais recompensas adquire. Em poucos minutos você consegue fazer todas as tarefas necessárias do momento, restando apenas esperar algumas horas para continuar. Na próxima vez que você jogar, outras opções aparecerão, e mais uma vez você terá que esperar o próximo “turno”.

Com todos os elementos de um jogo bem feito, como músicas viciantes, muitas opções de escolha e níveis, a inocência do Farmville acaba aqui. O problema se inicia no compromisso da vida real que você adquire com o jogo, isto é, se você não entrar freqüentemente para cuidar de sua fazenda, suas plantas irão morrer, e todo aquele “investimento” que você teve vai por água abaixo.

Nós tentamos ao máximo evitar perder algo que já possuímos, mesmo que para isto tenhamos que perder mais. Um jogador de Farmville nunca poderá recuperar o tempo e dinheiro gasto, mas ele continua a gastá-los para evitar o sentimento de perda e desperdício.

Um exemplo mais atual é o jogo Clash of Clans para celular, que na essência utiliza do mesmo princípio: quanto mais tempo (ou dinheiro) você gastar, melhor.

Mas eu não jogo Farmville ou Clash of Clans

Ok, você não joga/jogou Farmville, Clash of Clans nem qualquer outro jogo parecido.

Mas em outras situações pode ter agido de forma parecida: alguma vez você se se matriculou num curso, se arrependeu, mas mesmo assim não desistiu e foi até o final? E aquele relacionamento totalmente desgastado que você manteve durante tantos anos ? E aquela máquina de lavar louça cujo conserto custou mais que a própria máquina?

Todos estes comportamentos caracterizam uma mistura da aversão a perdas, com percepções diferentes da perda e do ganho e o conceito de “custo irrecuperável” apresentado neste artigo.

O que é o custo irrecuperável?

Esse último conceito refere-se à tentativa comum de adiar as conseqüências de uma escolha ruim.

Olhando por fora, percebe-se facilmente que insistir em algo que não apresenta expectativas de sucesso é irracional, mas quem está dentro e envolvido é envenenado pelo pensamento “não posso parar agora, senão vou perder tudo o que investi”.

Lembre-se de que é nobre e humano ter este comportamento. Insetos e animais estão só preocupados com os ganhos e perdas imediatos, eles não fazem planejamentos. Apenas humanos podem refletir, se arrepender, planejar e evoluir.

Vou deixar mais alguns exemplos hipotéticos para reflexão:

  • Você, por engano, comprou dois pacotes de viagens sem reembolso para o mesmo período: o primeiro é uma boa viagem por R$ 2.000 e o segundo é uma viagem muito melhor e mais prazerosa, mas que custou R$ 1.000. Você tem que escolher ir a uma e perder a outra. Em qual você iria?
  • Você é responsável pela sobrevivência de 2.000 pessoas com doenças terminais e tem que escolher entre duas opções de antídotos. A Opção A cura exatamente 500 pessoas. A opção B tem 75% de chances de não curar nenhuma pessoa e 25% de chances de curar todas. Qual opção você escolhe?
  • Você vai comprar um ingresso para o cinema por R$ 10, mas percebe que perdeu R$ 10 de sua carteira. Você compraria o ingresso mesmo assim? E se o cenário fosse o seguinte: você já comprou o ingresso por R$ 10, mas percebe que o perdeu. Você compra o ingresso novamente?

E qual a relação disso com investimentos?

Raciocine sobre as dores da perda e transporte-as para suas decisões de investimento.

Será que se você desistir de algum investimento que tem há muito tempo e que está no prejuízo, tudo o que investiu estará perdido?

Ou será que você estará guardando recursos e planejando um investimento futuro melhor?

Lembre-se sempre de que, em investimentos, não existe o famoso “ponto sem volta”. Você pode sempre repensar suas decisões passadas e mudá-las.

Portanto, reflita novamente sobre sua carteira atual e cada posição separadamente: “será que eu mantenho este investimento porque eu possuo uma boa expectativa futura de retorno, ou será que eu só não quero realizar prejuízo”?

Vitor Nagata é editor do Blog do Investidor e profissional da área de investimentos.

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4 COMMENTS

  1. Excelente artigo. Já me peguei fazendo as mais diversas opções, como sair no meio do filme ou ficar até o final de um show que não estou gostando.

    • Jose Arthur, com certeza! Até quando o filme está passando na tv muitas vezes eu assisto até o final, mesmo ele sendo ruim. Fico com aquela sensação de despedício de tempo se eu trocar de canal, mas acabo desperdicando mais tempo ainda.
      Abs!